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Conto do Homem Morto

Num dia monótono, eu observava os cantos da sala e seus objetos: o abajur, as lâmpadas, o pé da mesa redonda de madeira, a televisão quadrada, a máquina de escrever. Quando finalmente olhei para o relógio, percebi que faltavam exatos quinze minutos para o ponteiro alcançar as dezesseis horas. Era a hora do chá da tarde.

"Vamos," murmurei para mim mesmo.

Nesse instante, o gato pulou na mesa, com seu olhar fixo, um tanto perdido. Me acompanhando, através de passos lentos, ele me fitava enquanto eu folheava algumas páginas de um livro.

Era verão, mas o sol já estava quase se pondo, e eu precisava ir ao meu ritual de leitura no lugar mais sereno que já conheci para fazer qualquer coisa.
Deixei a cozinha, caminhei até a sala de jantar e, de repente, me vi suspirando, com as mãos na cintura, exausto.

Me deixei levar pelos devaneios dos pensamentos e, de repente, me vi despertando pelo chiado da chaleira, trazendo-me de volta ao momento presente. Finalmente, num tilintar de xícara e pires, saboreei o chá de hortelã, sentado de pernas cruzadas, quase como num momento de contemplação de mim mesmo.

Quando terminei, peguei o livro de capa preta, onde havia muito mais de mim do que jamais havia conhecido. Caminhei por uma estradinha de terra até chegar ao cemitério da pequena cidade onde vivia. Dirigi-me a um túmulo de cerâmica branca e encostei minhas costas numa pequena árvore. Li duas ou três páginas, quando ergui o olhar para todas aquelas sepulturas. Algumas eram belas, outras abandonadas, sem rosas ou cercas.

"O que será que as almas penadas fazem enquanto estou na minha rotina matinal? Será que também fazem suas tarefas? O que sentem quando a chuva molha suas moradas? Ou quando faz frio. Será que sentem as mesmas sensações?"

De repente, eu indagava em voz alta, diante do silêncio, do vento e das flores murchas:

"Será que fantasmas se sentem desamparados, enfrentam humilhações por não terem uma ocupação, vivem relacionamentos instáveis, brigam com os pais, são avaliados pelo que conquistaram, participam de eventos sociais, têm amigos? Acho que não. Deve ser bom estar morto."

Caminhei para fora pelos portões, envolto em uma contemplação que há muito não experimentava. Preparando chás, lavando roupas, contando passos, estava pronto para ser um espectro da vida. Nada se alterava, além do que já conhecia - o tédio e a apatia permeando para mais um momento no vazio. Esse ritual me acompanhava há muito tempo, todos os finais de tarde. 

No entanto, nos dias seguintes, à mesma hora, lá estava eu, diante da morte. Mas desta vez, sob a sombra de alguém que repousava em meu túmulo, provavelmente fazendo-se as mesmas perguntas.

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